sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O Azeite !


O azeite era outro produto obtido através do rabisco. Trabalho das mulheres casadas, das viúvas e da miudagem. Como no rabisco do trigo. Como no amanho das searas. Como em tudo.
Começava-se pelo carocinho. Era a azeitona ainda muito verde, pequena, mas que já dava azeite. Os donos de alguns lagares, no Pombalinho e em São Vicente do Paul, faziam saber que já aceitavam a azeitona e quanto davam de azeite em troca de uma suta, a medida da azeitona. Foi, de resto, nessas andanças que eu conheci alguns locais onde, de outra maneira, nunca teria posto os pés (descalços...).
A apanha do carocinho (do que ia caindo, claro) era livre. Até que, com a azeitona já a começar a amadurecer e a quantidade de azeite em troca de cada medida a crescer, os proprietários mandavam lavrar um rego à volta dos olivais, sinal de que daí por diante era proibido apanhar azeitona sem o consentimento deles. E para fazer respeitar a proibição, lá estariam os guardas.

O consentimento dos proprietários, geralmente transmitido por algum dos seus servidores mais próximos, não se fazia esperar sempre que já houvesse muita azeitona no chão, o que era mais que certo depois de uma boa chuvada ou de uma boa ventania, quando não das duas coisas ao mesmo tempo. Mas também não era de graça. Para isso, não se justificaria a proibição. Era ao terço: duas partes da azeitona apanhada para o dono do olival, uma para quem a apanhava. Isto, quando o dono não optasse por pôr os seus porcos a comê-la. Era o que às vezes fazia o João d’Assunpção Coimbra, um dos dois, de resto, que, se me não engano, tinham por ali grandes varas. O outro era o Veiga (os dois latifundiários da região, no fim de contas), e o maioral dos seus porcos, naqueles tempos (décadas de 40/50), era exactamente o avô de que o José Saramago tanto fala, e sempre com a maior veneração: o alto e seco, fisicamente falando, Jerónimo, com o qual algumas vezes (poucas) calhou cruzar-me pelos campos e olivais da Azinhaga. Mas nos intervalos das apanhas consentidas as mulheres e os miúdos não ficavam à espera. Mesmo os olivais maiores não tinham mais que um guarda.

Dos guardas das vinhas se diz que não são eles que as guardam, mas o medo, coisa que, naturalmente, se pode dizer de tudo ou de quase tudo que meta guarda. Portanto, mesmo fora das apanhas autorizadas e divididas, sempre se ia deitando mão a uns bagos. Até porque sempre havia bagos que se podiam apanhar sem perigo. A maior parte dos olivais confinava por todos os lados com estradas que, não sei lá porquê, ficavam a um nível inferior. Uma dessas estradas, passando ali por entre olivais e dividindo-os, era conhecida por “a estrada real”. Dizia-me o meu pai que era a estrada por onde antigamente passavam as comitivas reais nas suas deslocações por aquelas bandas.

Ora, as abas das oliveiras que ficavam junto aos valados pendiam para as estradas contíguas, pelo que a azeitona que delas caía ficava aquém dos regos da proibição. E então era ver as mulheres, manhã muito cedo, normalmente em grupos de duas ou três, tentando serem as primeiras a chegar às estradas para onde as abas das oliveiras pendiam, a fim de deitarem a mão à azeitona caída durante a noite. A essa... e a mais alguma, se o guarda não estivesse por ali ao alcance da vista. O que não era isento de risco, sobretudo nos olivais do João d’Assumpção Coimbra, quando ele punha também soldados da Guarda Republicana a vigiar-lhe os olivais. E o pior era que a multa tinha de ir pagar-se a Santarém. Não sei se a mesma poderia ser paga no acto da sua aplicação, mas ainda que assim fosse, isso de nada serviria. Onde é que estava o dinheiro para se poder pagar logo? O que sei é que também calhou uma vez à minha mãe ser apanhada e não perdoada; e que teve de ir pagar-se a multa a Santarém.


Mas, enfim, litro a litro lá se ia enchendo a talha com o azeite trazido dos lagares, em troca da azeitona lá entregue. Em anos de boa produção - e de boa apanha! – chegava a ficar-se com azeite para todo o ano.Tanto da azeitona ainda verde como da madura, acontecia também escolher-se alguma para adoçar. Antes de ser metida na água, a azeitona verde levava uma pancadinha com qualquer peça de madeira que desse para isso, fazendo de maço; a madura levava alguns golpes longitudinalmente. Passadas duas ou três semanas, durante as quais se procedia várias vezes à mudança da água, era mais um conduto de que se dispunha, para alguns dias, sem necessidade de ir comprá-lo à mercearia.


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