O azeite era outro
produto obtido através do rabisco. Trabalho das mulheres casadas, das viúvas e
da miudagem. Como no rabisco do trigo. Como no amanho das searas. Como em tudo.
Começava-se pelo carocinho. Era a azeitona ainda muito verde,
pequena, mas que já dava azeite. Os donos de alguns lagares, no Pombalinho e em
São Vicente do Paul, faziam saber que já aceitavam a azeitona e quanto davam de
azeite em troca de uma suta, a medida da azeitona. Foi, de resto, nessas
andanças que eu conheci alguns locais onde, de outra maneira, nunca teria posto
os pés (descalços...).
A apanha do carocinho (do que ia caindo, claro) era livre. Até
que, com a azeitona já a começar a amadurecer e a quantidade de azeite em troca
de cada medida a crescer, os proprietários mandavam lavrar um rego à volta dos
olivais, sinal de que daí por diante era proibido apanhar azeitona sem o
consentimento deles. E para fazer respeitar a proibição, lá estariam os
guardas.
O consentimento dos proprietários, geralmente transmitido por
algum dos seus servidores mais próximos, não se fazia esperar sempre que já
houvesse muita azeitona no chão, o que era mais que certo depois de uma boa
chuvada ou de uma boa ventania, quando não das duas coisas ao mesmo tempo. Mas
também não era de graça. Para isso, não se justificaria a proibição. Era ao
terço: duas partes da azeitona apanhada para o dono do olival, uma para quem a
apanhava. Isto, quando o dono não optasse por pôr os seus porcos a comê-la. Era
o que às vezes fazia o João d’Assunpção Coimbra, um dos dois, de resto, que, se
me não engano, tinham por ali grandes varas. O outro era o Veiga (os dois
latifundiários da região, no fim de contas), e o maioral dos seus porcos,
naqueles tempos (décadas de 40/50), era exactamente o avô de que o José
Saramago tanto fala, e sempre com a maior veneração: o alto e seco, fisicamente
falando, Jerónimo, com o qual algumas vezes (poucas) calhou cruzar-me pelos
campos e olivais da Azinhaga. Mas nos intervalos das apanhas consentidas as
mulheres e os miúdos não ficavam à espera. Mesmo os olivais maiores não tinham
mais que um guarda.
Dos guardas das vinhas se diz que não são eles que as guardam, mas
o medo, coisa que, naturalmente, se pode dizer de tudo ou de quase tudo que meta
guarda. Portanto, mesmo fora das apanhas autorizadas e divididas, sempre se ia
deitando mão a uns bagos. Até porque sempre havia bagos que se podiam apanhar
sem perigo. A maior parte dos olivais confinava por todos os lados com estradas
que, não sei lá porquê, ficavam a um nível inferior. Uma dessas estradas,
passando ali por entre olivais e dividindo-os, era conhecida por “a estrada
real”. Dizia-me o meu pai que era a estrada por onde antigamente passavam as
comitivas reais nas suas deslocações por aquelas bandas.
Ora, as abas das oliveiras que ficavam junto aos valados pendiam
para as estradas contíguas, pelo que a azeitona que delas caía ficava aquém dos
regos da proibição. E então era ver as mulheres, manhã muito cedo, normalmente
em grupos de duas ou três, tentando serem as primeiras a chegar às estradas
para onde as abas das oliveiras pendiam, a fim de deitarem a mão à azeitona
caída durante a noite. A essa... e a mais alguma, se o guarda não estivesse por
ali ao alcance da vista. O que não era isento de risco, sobretudo nos olivais
do João d’Assumpção Coimbra, quando ele punha também soldados da Guarda
Republicana a vigiar-lhe os olivais. E o pior era que a multa tinha de ir
pagar-se a Santarém. Não sei se a mesma poderia ser paga no acto da sua aplicação,
mas ainda que assim fosse, isso de nada serviria. Onde é que estava o dinheiro
para se poder pagar logo? O que sei é que também calhou uma vez à minha mãe ser
apanhada e não perdoada; e que teve de ir pagar-se a multa a Santarém.
Mas, enfim, litro a litro lá se ia enchendo a talha com o azeite
trazido dos lagares, em troca da azeitona lá entregue. Em anos de boa produção
- e de boa apanha! – chegava a ficar-se com azeite para todo o ano.Tanto da
azeitona ainda verde como da madura, acontecia também escolher-se alguma para
adoçar. Antes de ser metida na água, a azeitona verde levava uma pancadinha com
qualquer peça de madeira que desse para isso, fazendo de maço; a madura levava
alguns golpes longitudinalmente. Passadas duas ou três semanas, durante as
quais se procedia várias vezes à mudança da água, era mais um conduto de que se
dispunha, para alguns dias, sem necessidade de ir comprá-lo à mercearia.
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