Mas nem só de pão de
milho eram as cozeduras das mulheres do Pombalinho. Também as havia de pão de
trigo (ou melhor, de pão alvo, que era como lhe chamávamos), preparadas com o
trigo que se apanhava no rabisco, um mais dos afazeres das mulheres casadas e,
quando os havia e estavam disponíveis, dos filhos pequenos. Mas também aí havia
partilha com o dono da seara. Não estou já bem certo, mas creio que era a
meias.
Depois do trigo ceifado e transportado para a eira, em paveias,
ficavam sempre espigas pelo chão. Os donos, que, como se vê, não desperdiçavam
nada, determinavam então um dia para o rabisco. E lá ia o mulherio mais a
garotada, manhã muito cedo, para apanharem as espigas ainda amaciadas pelo
cacimbo da noite e poder-se, assim, juntá-las em mancheias (as matanas, nome
que não encontro nos dicionários) atadas com as próprias hastes, coisa tornada
impossível de fazer com as espigas inteiriçadas pelo sol. Além de se tornar
desagradável manusear as espigas quando secas. Arranhavam.
Como a quantidade não era grande, o trigo era depois debulhado em
casa, à mão. E assim comíamos pão alvo durante duas ou três semanas. Sabia
muito melhor que o pão de milho. Pena era que fosse tão pouco. E aqui não posso
deixar de contar um episódio passado com a minha mãe.
O tempo do rabisco do trigo era o tempo em que havia umas noites
de luar tão vivo que mal dava para se distinguir a noite do dia. Era em Agosto,
e por isso se lhe chamava mesmo o luar de Agosto.Naquela
madrugada havia rabisco numa seara dos Menezes (Meneses&Irmão, que mais
tarde acabaram com a Sociedade), pelo que a minha mãe teria de levantar-se ainda
mais cedo que de costume, tanto mais que ainda antes de sair de casa teria que
deixar o café (assim designávamos o mata-bicho, porque ele consistia na
generalidade em café de cevada e chicória com migas) pronto para o marido e
para os filhos e o farnel aviado para o meu pai levar para o trabalho.
Despertador, não havia, e bom jeito faria em tais ocasiões. Tinha de se confiar
na capacidade de acordar na hora pretendida. Pois bem, a certa altura a minha
mãe acordou. E que viu ela? A claridade do dia a entrar já pelo telhado, de
telha de canudo e sem forro (isso só nas casas dos mais abastados).
Levantou-se, assarapantada, vestiu-se o mais apressadamente que foi capaz, e
ala!, aí vai ela... Começou por estranhar um pouco, ao fim de um certo tempo de
caminhada, não ver ninguém, mas não havia que olhar para trás. E enfiou pela
estrada que da povoação a havia de levar à seara a rabiscar. Dum lado e doutro,
sebes, e só sebes, de silvas e de marmeleiros. E o sino da torre da igreja
começa a soar. Uma... duas... três... Três marteladas, fortes, desferidas pela
maquinaria do relógio da torre. Três horas da manhã, só. E a Ermelinda, só
também, fora de casa, àquela hora, no meio da Estrada do Bornel, uma estrada
tenebrosa!...
Coitada da Ermelinda!
Sem comentários:
Enviar um comentário